Monitorando a situação do Coronavírus em cidades do Brasil
Após duas análises focando na cidade de Porto Alegre (distanciamento social e previsões), onde foi possível entender como o simulador do modelo SEIR pode ajudar a monitorar a situação da progressão do COVID-19 no Brasil, hoje será apresentada uma breve análise de 3 outras cidades brasileiras, ambas em situações bastante distintas em relação a propagação do vírus.
Curitiba:
A capital paranaense possui uma população de 1.933.105 habitantes e, atualmente, conta com 196 leitos de UTI para tratar pacientes com COVID-19. Até o dia 20/05 havia detectado 902 casos, sendo que 658 já estavam recuperados e 34 vieram a óbito.
Semelhante a Porto Alegre, Curitiba começou frear o crescimento exponencial do vírus no início dos primeiros casos na cidade, sendo que, no momento, possui um cenário de estabilidade na quantidade de internados em UTI.
Na primeira imagem observamos o crescimento de casos totais em escala logarítmica, onde notamos o início do freamento do crescimento exponencial dos casos em torno do dia 20 de março. Na segunda imagem, representando os casos internados em UTI e confirmados com COVID-19, é possível ver que o fim do crescimento exponencial de internados acontece próximo ao dia 8 de abril, analisando-se a curva azul fraca com os dados reais da cidade.
Ainda na segunda imagem, podemos ver a progressão do COVID-19 em UTIs, projetada pelo simulador SEIR, para as seguintes situações:
Cenário atual (curva vermelha), no qual projetamos um lento decrescimento de casos de internados em UTI ao longo do ano;
Cenário sem a adoção de medidas de distanciamento social - caso no qual se o crescimento exponencial não tivesse sido freado (curva azul forte), o sistema de saúde já estaria colapsado;
Cenário onde a eficácia das medidas de distanciamento social seja reduzida pela metade (reta roxa) ou exista o fim de sua adoção (reta verde), no qual também teremos o colapso do sistema de saúde.
São Luís
São Luís, capital do Maranhão, é um dos focos de propagação do Coronavírus pelo país. Com 958.545 habitantes, até 21/05 a cidade registrou 6.685 casos confirmados de COVID-19 e 463 óbitos, cerca de 14x mais óbitos do que Curitiba. A cidade atualmente disponibiliza 225 leitos de UTI para tratar pacientes com COVID-19, número que pode ser incrementado progressivamente, mas também possui 213 internados nesses leitos.
Com o objetivo de reduzir ao máximo a quantidade de contaminações, a cidade teve o bloqueio total (lockdown) da população decretado a partir de 5 de maio com duração até 18 de maio. Diferente de Curitiba, São Luís teve muita dificuldade para conter a propagação exponencial do COVID-19 no início do registro de casos e não foi capaz de estabilizar a quantidade de internados em UTI, que cresceu de forma linear durante o período de bloqueio total.
Apesar da dificuldade de conter a propagação do vírus, podemos ver a diferença entre o cenário de crescimento exponencial e o atual utilizando o modelo SEIR. Conforme observamos na primeira imagem, onde vemos o crescimento da quantidade de mortos, a curva azul forte representa o crescimento exponencial inicial. Se esse crescimento não fosse freado, São Luís teria alcançado a marca de 400 mortos há 15 dias e hoje já teria mais de mil mortos.
Na segunda imagem vemos a progressão de internados em UTI. No modelo SEIR, supomos que em uma situação efetiva o bloqueio total poderia reduzir 95% das transmissões do COVID-19 durante o período de decreto, mas sabemos que os efeitos não são imediatos, já que há o período de incubação do vírus, o período de progressão da doença para casos graves e ainda o intervalo de tempo até o infectado ser detectado e o resultado do seu teste ser confirmado. Contudo, ainda segundo o modelo (curva vermelha), já deveríamos ver o início decrescimento dos casos de UTI, o que ainda não acontece na vida real (curva azul fraca).
Como o bloqueio total foi de apenas 13 dias e já foi finalizado, se as taxas de propagação do vírus voltarem às mesmas de antes da adoção da medida, apenas teríamos atrasado em cerca de um mês a lotação dos leitos atuais de UTI, sendo que na curva laranja podemos observar que se o lockdown fosse mais longo os casos de UTI iriam regredir lentamente durante o ano.
Passo Fundo
Passo Fundo é uma cidade com 203.275 habitantes no norte do Rio Grande do Sul que se tornou um dos focos da doença no estado após um surto de coronavírus em um frigorífico da JBS em torno de 20 de abril. Desde o surto até o dia 21/05 a cidade registrou em seu boletim epidemiológico cerca 486 casos de coronavírus, sendo 229 recuperados, 34 óbitos, 24 internados em UTI e chegou a ter 83% de todas as UTIs ocupadas no início de maio.
A situação da progressão do COVID-19 devido ao surto em Passo Fundo serve de alerta para outras cidades de interior, sendo que o Rio Grande do Sul já registrou 41 surtos em indústrias e locais fechados (https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/05/20/chega-a-41-o-numero-de-surtos-de-coronavirus-em-industrias-e-locais-fechados-no-rs-aponta-boletim.ghtml). Na primeira imagem acima, por meio da curva azul fraca, podemos ver que o crescimento de mortos na cidade progride de forma linear, mais lentamente do que o modelo SEIR projeta para o cenário atual (curva vermelha). Se o surto não tivesse sido localizado rapidamente pelas autoridades e o vírus tivesse se espalhado pela cidade em ritmo exponencial, Passo Fundo poderia ter mais de 150 mortos no dia de hoje.
Na segunda imagem, vemos os mesmos cenários no sistema de UTI da cidade. Enquanto a curva de casos internados parece estar controlada e progride mais lentamente que a modelagem do SEIR do cenário atual (curva vermelha), em uma situação de crescimento exponencial (curva azul forte), Passo Fundo poderia ter mais de 160 pessoas com infecção crítica e necessitando de internação em leitos de UTI - e o sistema de saúde da cidade já teria colapsado.
Os resultados da simulação mostram como as medidas de distanciamento social reduziram o crescimento exponencial do vírus nas 3 cidades em questão, com destaque para Curitiba que vive uma situação aparentemente estável. Em São Luís, onde a situação da pandemia é mais crítica, medidas de bloqueio total foram decretadas. Já em Passo Fundo, onde o freamento do crescimento exponencial foi efetivo diante de uma resposta rápida contra o surto do vírus, vemos a fragilidade de cidades de interior diante de cenários de crescimento exponencial das infecções, onde o sistema de saúde pode colapsar rapidamente. Uma análise aprofundada sobre as medidas de distanciamento social e combate ao vírus implementadas em cada cidade pode revelar onde cada uma acertou ou falhou na contenção da propagação do COVID-19.
Sobre a modelagem de dados
Conforme explicado em um post anterior, estamos utilizando o modelo SEIR (https://alhill.shinyapps.io/COVID19seir/) para estudar uma possível modelagem da progressão do COVID-19 em algumas cidades brasileiras (https://report-covid19-cappra.herokuapp.com/).