Uma comparação entre possíveis futuros para a cidade de Porto Alegre diante do COVID-19

Porto Alegre é uma das poucas capitais do país que está neste momento vivendo um cenário de estabilidade na progressão do COVID-19 em seu sistema de saúde. Atualmente, a cidade possui 760 casos confirmados, 455 recuperados, 21 óbitos e 36 pessoas internadas em UTI - nos últimos 7 dias, a cidade manteve uma média de 40 pessoas infectadas com o vírus mantidas em internação nos leitos de UTI. Além disso, a capital apresenta cerca de 1,5 óbitos a cada 100 mil habitantes, uma das menores taxas de mortalidade do Brasil (estudo completo aqui).

No post anterior, analisamos a relação entre esse cenário estável e a efetividade das medidas de distanciamento social aplicadas em Porto Alegre e vimos que, inicialmente, o crescimento do COVID-19 era exponencial, mas desacelerou após um período de aplicação das medidas. Tendo em vista esse panorama, o governo estadual e a gestão municipal estão atualmente estudando novas medidas para reabrir a economia, aliviando de forma gradual o distanciamento social na cidade.

Seguindo essa mesma linha, no post de hoje vamos explorar quatro cenários diferentes para a progressão de casos em Porto Alegre nas próximas semanas, sendo eles: sem alterações nas políticas de prevenção, com o fim do distanciamento social, com a redução do distanciamento social e, por fim, com o bloqueio total da cidade (lockdown).

  • Cenário 0: Situação Atual - sem alterações:

Se nada for alterado nas políticas de contenção do vírus na cidade, a projeção para as próximas semanas é que a quantidade de internados em UTI decresça. Mesmo com esse decrescimento, nosso modelo de previsão projeta que até o fim do ano ainda teremos pessoas com COVID-19 necessitando internação em leitos de UTI. A projeção atual para as UTIs, feita através do modelo SEIR parametrizado para Porto Alegre, pode ser visualizada abaixo, onde a curva vermelha é o cenário atual, a curva azul escuro é o cenário caso não houvesse ocorrido distanciamento social, a curva azul fraca são os dados reais de internados em UTI e a reta rosa são os leitos de UTI disponíveis atualmente para COVID-19.

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  •  Cenário 1: Fim do distanciamento social:

O fim do distanciamento social, no contexto das simulações do modelo SEIR, significa que o cenário inicial de crescimento exponencial do vírus iria retornar para a cidade. Nesse cenário, em 20 dias haveria a lotação dos leitos atuais que estão disponíveis para COVID-19 e cerca de 2 meses depois da lotação atingiríamos o auge da pandemia em Porto Alegre, com 30 mil pessoas necessitando internação hospitalar e 8 mil pessoas necessitando de internação em leitos de UTI. Ao fim do ano, 5 mil pessoas teriam morrido na cidade.

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Na primeira imagem acima, podemos comparar a progressão atual do vírus nas UTIs de Porto Alegre (em vermelho) com a progressão com o fim do distanciamento social (em verde). Enquanto no cenário atual a curva tende a decrescer devido ao distanciamento social, com o fim dele, a curva volta a crescer exponencialmente, ultrapassando inclusive a quantidade de leito de UTI disponíveis (em rosa).Já na segunda imagem, vemos o crescimento da curva de infecções graves (pessoas que necessitam de internação hospitalar) e infecções críticas (pessoas que necessitam de internação em UTI) no cenário onde ocorre o fim do distanciamento.

  • Cenário 2: Redução do distanciamento social pela metade:

Uma redução de 50% do distanciamento social significa que 50% das pessoas que estavam isoladas do vírus agora podem ser contaminadas. No modelo isso também significa uma taxa de infecção 2x maior do que a situação atual do distanciamento social. 

Conforme a primeira imagem abaixo, vemos que demoraria 40 dias para a quantidade atual de UTIs lotarem. Já na segunda imagem, podemos ver o auge de infectados graves e críticos. Haveria uma necessidade de 14 mil leitos hospitalares e 4 mil leitos de UTI no auge das infecções, que aconteceria 100 dias depois da lotação dos leitos de UTI disponíveis atualmente. Ao fim do ano, haveria 4 mil mortos pelo vírus.

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  • Cenário 3: Bloqueio Total (Lockdown) da cidade:

O Bloqueio Total ou Lockdown é um cenário onde há um fechamento completo da cidade, com o objetivo de reduzir ao máximo as transmissões do vírus na cidade, conforme explicamos em um post anterior. Para Porto Alegre, essa possibilidade não está sendo considerada no momento, devido à estabilidade do sistema de saúde, mas continua sendo um cenário interessante para estudo.

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No modelo, consideramos que o bloqueio resultaria na diminuição de 95% de todas as infecções que deveriam acontecer em situação normal. Como resultado, em 2 meses de lockdown não haveria mais nenhum infectado nas UTIs e o número total de óbitos seria de cerca de 30 pessoas, apenas 9 mortes a mais do que o número atual.

O modelo SEIR é um modelo matemático simples e determinístico que não leva em conta variações de caráter aleatório e estatístico. O que podemos aprender com ele na modelagem do cenário de Porto Alegre é que, apesar de a progressão do vírus estar estável e a quantidade de pacientes em leitos de UTI aparentar estar decrescendo lentamente, um breve descuido com a redução do distanciamento pode levar o sistema de saúde ao colapso rapidamente, conforme projetado nos cenários 1 e 2. Em contrapartida, cenários mais rígidos podem levar a contenção da crise de forma mais rápida, como observamos na simulação de Bloqueio Total.

Tendo em vista os cenários analisados acima, medidas de abertura e redução do distanciamento social devem ser feitas com cuidado, pois, do contrário, a situação pode se tornar crítica e acabar com o progresso feito nos últimos meses de distanciamento social. Além disso, é fundamental que haja acompanhamento em tempo real da população através de testes em massa - não apenas para pessoas que apresentam sintomas críticos ou graves, mas também para casos leves ou assintomáticos. Dessa forma, poderemos fazer projeções que estejam mais de acordo com a situação real da cidade em relação a propagação do vírus, de maneira a ser possível aprofundar os estudos de cenários frente a novas medidas redução do distanciamento social.


  • Sobre a modelagem de dados

Conforme explicado em um post anterior, estamos utilizando o modelo SEIR para estudar uma possível modelagem da progressão do COVID-19 em algumas cidades brasileiras. Porto Alegre foi uma das cidades onde o modelo melhor se adaptou à progressão do vírus e por isso foi priorizada para essa análise.

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